segunda-feira, 8 de outubro de 2012

XV - ADEUS, PORTUGAL


Foram anos de aprendizado, na universidade e no empório, de meu pai. Aprendi a advogar e a comerciar. Sendo assim, já poderia trabalhar com meu pai. Por causa de sua idade, não viajava mais em demasia. Sempre que tinham de ir à África ou à Espanha, logo me prontificava, eram os locais em que mais queria estar.
Numa dessas viagens, quando voltei, minha mãe Maria havia exaurido. Já se encontrava muito doente. Nunca aceitamos a partida de alguém por mais anunciada que seja. Foram momentos difíceis para nós, os Costas...
Quando da morte dela, meu pai, juntamente comigo, ficara com a família do irmão dele, meu saudoso tio Antunes, todavia... por pouco tempo, ele já era pessoa de idade avançada; aguentou o tanto que pôde o impacto. Meses após, morrera... o ar português tornara-se úmido demais. O único e maior homem de minha vida... o homem, que amei e me tornou o que fui, havera morrido. Percebi então o quanto minha vida sempre foi melancólica e que não era tão fácil para eu poder ser quem fui. Quando morreu, acabou tudo. Fui embora. Fiquei em Coimbra até só os meus vinte e seis anos.
Tudo que era dele, trouxe o que pude. Não tinha mais nada para fazer por lá. Sei que também pertenço a Portugal, pois mortos meus lá não faltam. Escolhi o Brasil que era o local ao qual alguns contatos comerciais e religiosos estavam indo.
Deixei meu tio responsável pelas quintas, que me pertenciam por herança; não as vendi. Às vezes, raramente, saia daqui e voltava para visitá-lo e pegar minha parte nas finanças. Não sei que fim levou, pois morri. Menos o empório, pois não continuou por lá, o transferi para o centro de Salvador, apesar de morar em Nazaré.

XIV - UM POUCO DE MIM NA METRÓPOLE


Leitor, és o físico e eu, o metafísico. Nestas condições deve ser de frágil compreensão o que passei em minha vida, por todas as disposições que me dispôs, principalmente pela tez de minha pele.
A concepção racial de minha época áurea na tua dimensão define-se desta forma: se não é branco ou amarelo, é negro. Conheces outra raça, caro leitor? Caso me visses agora, se me materializasse, verias que não sou branco nem amarelo. Sabes o que é cacau e o que se faz com isso? Sua cor é o marrom e assim é a minha tez de pele e de minha mãe.
Há alguns muitos anos, existiam duas coisas: o branco e o negro. O pardo passou a existir na Nova França. Não encontrarás em lugar algum do mundo... ninguém... escrito num registro pardo. Somente nesse maldito país. Há a raça amarela, a raça branca, a negra... qual outra conheces? Não existe raça parda! Isto é uma maldição desse país! Se o indivíduo não é branco ou amarelo, é negro.
Meu pai Costa pensou melhor que eu seguisse a carreira de Bacharel em Direito. Então foi a minha formação acadêmica em Coimbra. Nessa época em que vivi e estudei, as pessoas que compunham a sociedade intelectual e política da burguesia dividiam-se em dois grupos: a parte dos prosadores romancistas, que foram aqueles que mais tiveram destaque; e os que partiram para o lado do lirismo, que não foram tão felizes tanto quanto aqueles. Isso pois o povo vive, até o dia de hoje, de histórias. Toda história que trata da vida cotidiana, do que aconteceu, buscando a verossimilhança, de alguma forma, é a de maior sucesso. A identificação do corriqueiro, com busca da realidade, representação, purifica e emociona os leitores – e bem sei que minha história não segue tais paradigmas! No entanto, foi uma época, indiscutivelmente, dominada pela poesia. Conheci muitos desses poetas.
Agora, não penses que foi fácil para eu estudar nesse meio, pois não foi. Não foi fácil pela questão... minhas características físicas, maneira conforme eu era, pois, por essas qualidades, sempre fui visto, digo em primeira instância, à distância. O dinheiro fala mais alto e o do meu pai judeu falou vorazmente, retumbantemente.
A falsidade era muito grande. Muitos deles que estudavam em Coimbra não tinham nem o que comer. Às vezes, chegava-se em determinados lugares nos quais se representava, declamava-se, recitava-se para ganhar algum dinheiro. Eu não! Não precisei fazer isso. Muitos deles ajudei. Precisaram do meu dinheiro. Então era o amigo que mais queriam. Nos albergues, nas estalagens às quais fossem, bebiam desenfreadamente; era uma época de ostentação de luxo, de luxúria. Em muitas dessas vezes, nas quais bebiam, bebiam, bebiam e... bebiam, todos eram presos. Não tinham nada, nenhuma meia pataca para pagar o alto consumo e retomar a consciência perdida pela embriaguez.
Essas mesmas pessoas e outras não eram tão limpas, requintadas, conforme podes crer. Já te disse que na corte limpava-se a mão suja no gibão? Comia-se de mão suja igual a bicho doméstico. Bebia-se muito em taças de cobre e essa aniquilava a vida de muitos com muita facilidade. O vinho conseguia, durante um bom período, corroer o cobre e, assim, as pessoas o ingeriam. Depois disso tudo, é fácil imaginar do que as masmorras viviam cheias e que a mendicância era enorme.
Apesar de estar numa cadeira distinta da deles – fiz Direito e muitos, Medicina, Letras e Arte – encontrarás pessoas formadas daquele tempo, sendo da minha área juntamente com os de Filosofia e dessas outras.
Eu nada escrevi. Um romance, um conto, uma novela, uma poesia, não escrevi nada. Por isso e por não querer viver naquele mundo de lirismo, vim para o Brasil colocar o pobre na cadeia e o rico em liberdade. Colocar o inocente na prisão e o culpado do lado de fora das grades, desde que tivesse dinheiro, me pagasse muito bem e adiantado.
Aprendi na Europa que o homem vale pelo que tem e possui. Nesse lugar, naquela época, havia um ditado: “o hábito faz o monge”, dessa forma, o homem é aquilo que veste. Costumava-se dizer que a primeira impressão é a que fica. A elegância é primordial.
Vivi com muitos deles nessa época, contudo, o que lhes disse, repito a ti: não eram tantos meus amigos, tinham uma cadeira e eu, outra. Convivi mais com os que vieram para aqui ou que já estavam. Com os de lá, curto foi o tempo de convívio. Tão logo me formei, fui-me embora exercer minha carreira.
Dessas amizades de Portugal e Brasil, posso falar, contudo me restrinjo a dizer que vivi numa época contemporânea a pessoas nas quais me atenho a poucos nomes como Eça de Queiroz, Gonçalves Dias, José de Alencar, Maximiliano. Falsos e demagogos. Não gosto de Alencar; era a favor de uma pseudo-libertação dos escravos de forma gradativa, que merda é essa?! Diziam que Machado era um negro embranquecido, hipócrita; só escrevia para a burguesia, exatamente assim. Castro Alves, o poeta da liberdade, esse me apetecia. Entrementes, esses escritores citados, no que diz respeito à escrita e suas obras, em sua maioria, foram muitos talentosos.