Minha mãe era uma mulher exuberante e
exótica. Tinha os cabelos escorridos e negros como o ébano. Seus penetrantes
olhos eram semiesbugalhados com o fundo deles azul, aparentando duas bolas
celestes que eram demarcadas ao redor com cores escuras, fazendo-a parecer com
personagens egípcias, idênticas a essas que vemos amostras quando estudamos,
mesmo que simploriamente, civilizações antigas. Contudo, suas expressões
faciais eram leves e convidativas à admiração de homens, mulheres e crianças.
Qualquer mulher que ficasse ao lado dela se sentiria ofuscada por seu brilho e
magia interior. A pele de minha mãe parecia... não, era negra... negra da cor
de cacau. Leitor, sabes o que é negro-cor-de-cacau?
Ela chamava-se Judite, era de origem semita,
era uma judia. Era Judite da tribo tal, porque eu não sei de que tribo era
descendente. Só sei que era uma judia e isto escondeu o tempo todo, enquanto
vivia em Portugal e no Brasil, pois quando estava naquele país e veio para
este, se fosse revelado isso, seria perseguida e presa ou queimada. Minha mãe é
natural do Sudão. Nasceu neste lugar, era uma negra do Sudão, mas não era
negra-negra. E já me iria esquecendo, ela não era uma escrava.
Nunca ouviste dizer que existia judeu negro
descendente de semita no Sudão, leitor? Pois ela é de lá.
Minha mãe vivia enrolada em panos de fortes e
bonitas matizes, trazendo o corpo amarrado e delineado. Tinha nádegas sutis e
seios médios. Dava para ver suas costelas. Era esguia, pernas compridas, lábios
carnudos. Usava um pano enrolado na cabeça, entretanto, não era um turbante,
pois ele era delicado e fino cobrindo e escondendo seus cabelos e orelhas.
Esses vários panos, com os quais amarrava e prendia ao corpo, ficavam soltos e
caídos nela de tal forma que, ao andar subindo degraus de uma casa, tinha-se a
oportunidade de ver parte de sua roupa andando e subindo os degraus junto a
ela. Fazia questão de usar aqueles trajes que flutuavam ao vento com o seu
mavioso andar, dando a impressão de não estar com os pés no chão. À minha
verossimilhança, aquelas roupas eram engraçadas, porém, encantavam-me
completamente. Um impagável espetáculo feminino! Infelizmente, quando para esta
antiga colônia veio viver, não usou mais aquelas alegres roupas. Ela vivia
escondida. Quando estava em Portugal, tive poucas chances de vê-la assim
livremente nas ruas a desfile, pois aí se retinha um pouco. Seria um suicídio
vestir-se de sua forma tradicional. Era uma mulher comedida e austera, tendo
controle sobre tudo, era sisuda e sóbria.
Parece que, como ela me relatava, bom mesmo
para desfrutar de sua cultural beleza feminina era quando viajava a fim de
comércio pelo mundo a fora. Passava horas olhando para o leste. Certa ocasião
me disse que tinha saudades.
Leitor, depois dessas descritas
características, será que não sonharias com uma mulher igual a ela, digo
parecida, pois exijo respeito com minha mãe! Descontrações à parte, pelo lado
dela, afeto, carinho e dedicação nunca me faltaram. Excelente, exemplar e
presente mãe, mesmo com todas as dificuldades expressas pela dura vida. Não
pelo fato de sê-la minha respectiva mãe, mas sou até limitado no que diz à
beleza física e ao amor dedicado a mim, seu único filho, que não foi tão
recíproco com ela, tendo como afastamento as consequências do inevitável e
incomensurável destino.
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