quinta-feira, 19 de julho de 2012

III – MINHA QUERIDA E REVERENCIADA MÃE

Minha mãe era uma mulher exuberante e exótica. Tinha os cabelos escorridos e negros como o ébano. Seus penetrantes olhos eram semiesbugalhados com o fundo deles azul, aparentando duas bolas celestes que eram demarcadas ao redor com cores escuras, fazendo-a parecer com personagens egípcias, idênticas a essas que vemos amostras quando estudamos, mesmo que simploriamente, civilizações antigas. Contudo, suas expressões faciais eram leves e convidativas à admiração de homens, mulheres e crianças. Qualquer mulher que ficasse ao lado dela se sentiria ofuscada por seu brilho e magia interior. A pele de minha mãe parecia... não, era negra... negra da cor de cacau. Leitor, sabes o que é negro-cor-de-cacau?
Ela chamava-se Judite, era de origem semita, era uma judia. Era Judite da tribo tal, porque eu não sei de que tribo era descendente. Só sei que era uma judia e isto escondeu o tempo todo, enquanto vivia em Portugal e no Brasil, pois quando estava naquele país e veio para este, se fosse revelado isso, seria perseguida e presa ou queimada. Minha mãe é natural do Sudão. Nasceu neste lugar, era uma negra do Sudão, mas não era negra-negra. E já me iria esquecendo, ela não era uma escrava.
Nunca ouviste dizer que existia judeu negro descendente de semita no Sudão, leitor? Pois ela é de lá.
Minha mãe vivia enrolada em panos de fortes e bonitas matizes, trazendo o corpo amarrado e delineado. Tinha nádegas sutis e seios médios. Dava para ver suas costelas. Era esguia, pernas compridas, lábios carnudos. Usava um pano enrolado na cabeça, entretanto, não era um turbante, pois ele era delicado e fino cobrindo e escondendo seus cabelos e orelhas. Esses vários panos, com os quais amarrava e prendia ao corpo, ficavam soltos e caídos nela de tal forma que, ao andar subindo degraus de uma casa, tinha-se a oportunidade de ver parte de sua roupa andando e subindo os degraus junto a ela. Fazia questão de usar aqueles trajes que flutuavam ao vento com o seu mavioso andar, dando a impressão de não estar com os pés no chão. À minha verossimilhança, aquelas roupas eram engraçadas, porém, encantavam-me completamente. Um impagável espetáculo feminino! Infelizmente, quando para esta antiga colônia veio viver, não usou mais aquelas alegres roupas. Ela vivia escondida. Quando estava em Portugal, tive poucas chances de vê-la assim livremente nas ruas a desfile, pois aí se retinha um pouco. Seria um suicídio vestir-se de sua forma tradicional. Era uma mulher comedida e austera, tendo controle sobre tudo, era sisuda e sóbria.
Parece que, como ela me relatava, bom mesmo para desfrutar de sua cultural beleza feminina era quando viajava a fim de comércio pelo mundo a fora. Passava horas olhando para o leste. Certa ocasião me disse que tinha saudades.
Leitor, depois dessas descritas características, será que não sonharias com uma mulher igual a ela, digo parecida, pois exijo respeito com minha mãe! Descontrações à parte, pelo lado dela, afeto, carinho e dedicação nunca me faltaram. Excelente, exemplar e presente mãe, mesmo com todas as dificuldades expressas pela dura vida. Não pelo fato de sê-la minha respectiva mãe, mas sou até limitado no que diz à beleza física e ao amor dedicado a mim, seu único filho, que não foi tão recíproco com ela, tendo como afastamento as consequências do inevitável e incomensurável destino.

Nenhum comentário:

Postar um comentário