Fazia um ano em que eu estivera na minha
terra natal, nesta terra que cheguei recém-nascido, morei, cresci e brinquei,
em que estudei, construí-me homem e parti quando meus laços afetivos com ela
foram rasgados. Quis conquistar mais, esquecendo os parentes recentemente
perdidos, após ir à África e a outros lugares da Europa. De lá partiram, junto
a mim, minha mãe e seu acompanhante, um homem de confiança que com ela vivia há
muito tempo. Este não era meu pai biológico, muito menos afetivamente, e, sim,
indiferentemente eu o tinha. A terra que me acolhera após o primeiro ar rasgar
os meus pulmões, fazendo-me chorar, foi Portugal, o ar lusitano foi-me o
segundo. Estivera lá a trabalho e a rever meus negócios e propriedades. Na
época pueril, achava esta terra grande, porém, quando voltei a ela, percebi que
não era tão grande assim. Salta à vista, pois, quando criança e lá residia, não
era obrigado a ser dono do meu nariz.
Quando retornei de Portugal e cheguei às
minhas terras no Brasil, aliás, sendo mais esmiuçado, ao pisar o solo de
Salvador, senti-me mais indisposto do que antes, durante a viajem de retorno na
qual, a propósito de estar na proa do navio, acompanhava alienadamente, com o
olhar, a esteira marítima idêntica a um cometa que, pincelando sua tinta no
espaço celestial, deixa-o flamejado. Derreei-me na cadeira que lá pusera e
cerrei as vistas, sentido-me enjoado conforme marinheiro de primeira viagem no
mar que o cerceia... ou a quem sabe a mulher prenha. É uma hipótese para o meu
mal-estar. Admito que não entendo bulhufas de navegação, mas não era a primeira
vez e o mar não estava tão bravio, pelo contrário, jazia onírico. Instantes
após, um súbito aperto no coração me desfaleceu no momento em que bebia um
espirituoso aperitivo para abrir-me o apetite antes da refeição. Deve ter sido
uma advertência antecipada do que saberia no futuro, de algo que poderia estar
ocorrendo naquele exato instante, pois, como minha chegada era anunciada, no
cais à minha espera, um empregado meu estava. Por esse eufêmico, tive a notícia
do falecimento de minha verdadeira e doce mãe, que já possuíra bastante idade.
Ultimamente andava bastante pensativo,
absorto em pensamentos afetivos. Pensava em muitas coisas, principalmente na
família arrebatada pelo destino e em minha mãe. Por tudo que, por displicência
e distância minha, não pude fazer por ela; por todos os abraços e palavras que
não trocamos. Meu aclamador espírito trazia para dentro de mim, amargamente, a
presença de minha mãe, restituindo-me alguns dos nossos momentos.
Peguei-me pensando nela por duas vezes, sem
elucidar as que não quero ou as não notadas. Em uma, estava em plena missa na
igreja de Santo Antônio da Barra quando o padre proferiu uns fonemas
quaisquer... isto, pois foi apenas um som, não consegui codificar sua mensagem,
pois meus ouvidos não colheram as palavras, mas acho que foi um “até amanhã”,
depois percebi que já havia sido encerrada há horas. As beatas, desgraçadas,
até cochicharam sobre uma possível loucura minha ou uma gafe, porém, sequer
tinha me ruborizado (também, como poderia avermelhar meu rosto?). Na outra, eu
estava em minha requintada casa, sentado numa acolchoada cadeira de ébano
dentro do meu escritório com as pernas na mesa. Ninguém ali entrava além de mim
e de minha mãe. Era um canto em que somente nós dois entrávamos... e mais
ninguém. Nessa mesma ocasião, havia entrado em minha sala para traçar a continuidade
de meus negócios sem a presença em vida de minha mãe e suas opiniões mais uma
vez. Mesmo que não as colhesse; mãe é sempre mãe. Após trancar a porta, tirei a
cartola e a capa de veludo, pondo-as na estaqueira. Trajava uma elegante roupa
negra naquela tarde chuvosa. Junto aos documentos e livros na estante, tinha um
bar com bebidas para eu relaxar e degustar lendo ou pensando em vão. Peguei
um agradabilíssimo charuto e um deleitável vinho, por sinal, português...
então, sentado de pernas para o ar, bebendo e fumando, surpreendi-me pensando
nela novamente.
A tudo nessa vida eu agradeço à mulher que me
deu à luz e tudo me ensinou, favoreceu e explicou, inclusive sobre minha
alvoroçada e complicada procedência. Não sei o porquê, mas me sinto o culpado pela
morte de minha mãe. Sentia-me como um eunuco que perde a sua referência de
poder.
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