Lê e te encanta, ó leitor, filho de Deus e da
mãe Terra!
Esta história marcada é de uma vida, não da
tua, mas sim da minha vida criada pela morte. Faz-me recordar personagem de uma
das obras de um amigo suicida meu, que diz: Amou,
perdeu-se e morreu amando. Ficção essa li com prazer; fim ao adendo. A
minha vida posso contá-la, contudo, não posso convidar-te a vivê-la. Por
conseguinte, para um diálogo comigo, poderia eu inventá-lo, mas não o quero.
Conversação, mesmo fazendo parte dela, é difícil sua reprodução. Nada melhor do
que, sincronamente, eu e tu.
Aqui, neste momento, após desespero, loucura
e agonia, mais do que a mim foi destinado ao nascer para o dies irae, jazendo ao solo,
sepulcro o meu viver. Despojado de minha armadura não posso ser. O meu manto,
minha capa de veludo, meu cobertor, minha pele, tem que me aquecer.
Perto do meu corpo encontra-se um amigo, um
verdadeiro e fidedigno companheiro que me acompanha e protege há tempos, está a
lamber-me a face e minha sinistra, é o meu cão, não um cão de raça, mas sem
pedigree nem nada, é o meu doce preto Plutão. Ele não me deixou e, chegado a
ele, somente os negros escravos, que a mim são caros e que a reciprocidade
havia, aproximaram de meu invólucro mortal corpo e mais ninguém, pois as outras
pessoas, que queriam meu bem, a meus bens sublimados se edificaram. E sendo
pela religiosidade africana deles, conhecimento passado de geração a geração
sobre o além, que, em alguns dias depois de minha morte matada, retornei ao
plano concreto, no qual basta imaginar para que se exista, manifestando-me
sobrenaturalmente. É de bastante atenção requerida por mim a ti sobre essa
volta. Eu voltei, não ressuscitei, meu corpo apodrece na terra.
É... ninguém me chorou, salvo apenas por
Plutão e pelos negros. Verdade, por estes foi-me obtido o galardão do choro,
prêmio destinado a quem transcende a matéria que a princípio é sua.
Esta obra, minhas memórias, articulei-a no
além (mas não conforme um contemporâneo meu que evitou contar o processo
extraordinário empregado na composição de suas respectivas memórias trabalhadas
lá no outro mundo, pois sua estória é ficcional). Entendas além como quiseres.
Juntamente com a ajuda de alguns personagens, que fazem parte dela, transmigrei
essas ideias sobre o tempo para cá, neste mundo, através de um grandioso
mistério, munido de papel e pena, pudesse fazê-la ser escrita, inefavelmente,
tentando expor minha cabeça cosmopolita. Agora, eu não sei se para ti é uma
biografia ou autobiografia, pois sou o contador da história, porém, se não tenho
mais corpo, como a faço surgir. Rio e imagino a expressão daqueles que
destrinçam as obras, tolos! Leitor, entende como quiseres, pois aqui há a
liberdade. Eu digo que a Terra
é redonda como uma laranja e
azul como um pequi e deves entender.
Meu leitor, não quero que te cegues para mim.
Não deixes, assim, de me salvares e me conheceres, pois, como no princípio,
sobre o qual dizem que só havia a palavra, hoje não possuo mais corpo para ser
reconhecido. Somente há as minhas palavras representadas por meio de sinais,
que unidas ajudam-me a contar um pouco da minha vida, de minha trajetória
antes, durante e depois de ter ocupado um corpo, o meu corpo.
Tu, leitor, podes me dizer que não me
reconheces, mas isto é óbvio, tão transparente e claro como a água que na mata
sai das pedras. Somos de épocas e lugares diferentes... mas, se és um
desenganado, iludido, inconformado e frustrado com a maioria de teus próximos
(mesmo que externamente as pessoas não percebam), reconhecer-me-ás em ti, pois
as ações não mudam, somente mudam de praticante, desde o princípio, desde a
parola.
Deixa-me que a ti apresento-me, eu sou da
família Costa, meu nome é João Paulo da Costa, um bacharel formado no velho
mundo ao teu dispor.
A vida é tão curta, leitor, que agora mesmo,
diante do meu gélido corpo que abandonei como disse, vejo passar todas as
passagens de minha vida, rapidamente, que, se eu piscar os olhos... ela já
terminou, passou, acabou. Tu não vês, leitor? Ou desejas cegar-te à minha
história fechando este livro, seria mais um assassínio. Se me matas, sou o
porquê deste papel de obra, deste mausoléu: A
gente não é de um lugar enquanto não tem um morto enterrado lá. Além de
perder meu corpo, perco meu espírito! Mas se não me mataste a mim também e
continuas a comunicar-te comigo, ajudar-te-ei a ver todos os fragmentos que
vejo, logo evoluirei. Vejo muito, até as passagens de antes do meu nascimento,
coisas que sei, pois minha querida e reverenciada mãe me contou. Percebo que há
uma grande confusão em minha explicação, não é fácil compreender, visto que,
se, neste exato momento, acabo de abandonar o meu corpo, leitor, como a ti meu
corpo não mais existe? Infelizmente não posso a ti esclarecer as fronteiras que
não existem entre o aqui e o lá, ou o ontem e o agora. A nós, transcendentes, o
tempo não existe, o que realmente existe é a vontade daquele que
responsabilizamos por nossa eclosão, aliás, eu nem sei quem é, no entanto, não
desejo divinizar o assunto.
Muitas das coisas que ocorreram em minha vida
eu não tenho como trazer à memória, pois, se vires bem, nem tu és capaz de
recordar de tua infância, quem dirá de mim que deixei, há muitos anos, esse
plano no qual estás. Não possuo sangue nem sistema nervoso, porém, perceberás
que tenho síncopes, isto é, minha consciência falha.
Enfim, amigo, presta atenção e vê se me
reconheces ou conheces. São memórias de veludo. Então, psss... silêncio...
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